Conforme adotada no Direito Brasileiro, pela teoria da tríplice identidade, nos termos do art. 337, §2º do Código de Processo Civil, “uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”.
Verifica-se, portanto, que o critério da tríplice identidade sempre foi a principal ferramenta para identificar se a segunda demanda é a repetição da primeira.
No entanto, a cada dia tem ganhado força, principalmente pela doutrina, o entendimento de que esse critério não pode ser exclusivo, razão pela qual tem sido adotada a teoria da identidade da relação jurídica, visto que no direito brasileiro aplica-se a teoria da substanciação, ou seja, apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou rejeição do pedido.
Com base nesse entendimento o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao afirmar que a teoria das três identidades era insatisfatória para averiguação da coisa julgada, como impedimento para apreciação do mérito de certa demanda, aplicou a teoria da identidade da relação jurídica, mesmo verificando a diferença em relação a alguns dos elementos identificadores da demanda:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – COISA JULGADA – CASO CONCRETO – APLICAÇÃO DA TEORIA DA IDENTIDADE DA RELAÇÃO JURÍDICA. No sistema processual brasileiro, como regra geral, somente se admite a existência de coisa julgada quando todos os elementos (partes, causa de pedir e pedido) das demandas coincidem. Contudo, existem situações nas quais a chamada “teoria das três identidades” mostra-se insatisfatória para se averiguar a existência de coisa julgada como impedimento para apreciação do mérito de certa demanda. Em tais hipóteses, deve-se aplicar a “teoria da identidade da relação jurídica“, segundo a qual o novo processo deve ser extinto quando a relação de direito material for idêntica à que se deduziu no processo anterior, mesmo que se verifique diferença em relação a alguns dos elementos identificadores da demanda. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.09.628088-8/001, Relator(a): Des.(a) Elpídio Donizetti, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/07/2012, publicação da súmula em 17/07/2012) (grifo nosso)
No mesmo sentido, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, ao adotar a teoria da identidade da relação jurídica, admitiu a litispendência entre ações que, embora não tivessem todos os seus elementos idênticos, coincidiram em suas relações jurídicas-base e nos efeitos que decorreriam do seu acolhimento, já que os resultados seriam os mesmos nas duas demandas, aparentemente distintas, quando analisadas apenas com base no critério da tríplice identidade:
RECURSO ELEITORAL – AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO – ABUSO DO PODER ECONÔMICO – CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO – LITISPENDÊNCIA – APLICAÇÃO DA TEORIA DA IDENTIDADE DA RELAÇÃO JURÍDICA-BASE – DESPROVIMENTO. De acordo com a teoria da identidade da relação jurídica-base, admite-se como litispendentes ações que, embora não tenham todos os seus elementos idênticos, coincidem em suas relações jurídicas-base e nos efeitos que decorrerão de seu acolhimento. (RECURSO ELEITORAL n 34976, ACÓRDÃO n 324/2018 de 02/10/2018, Relator(a) ANDRÉ LUÍS DE MEDEIROS PEREIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 05/10/2018, Página 10/11)
O Superior Tribunal de Justiça, em decisão monocrática do Ministro Humberto Martins, com fundamento na teoria da identidade da relação jurídica, entendeu caracterizada a ocorrência da coisa julgada, tal como demonstrado pelo fragmento transcrito abaixo:
[…] 2. Em alguns casos, a teoria da tríplice identidade não se mostra suficiente para resolver todas as hipóteses previstas de litispendência/coisa julgada, servindo, tão somente como regra geral. É que, em algumas situações, para a caracterização da coisa julgada material, o que importa é identificar se a relação jurídica discutida na demanda é a mesma, ainda que haja diferença quanto a alguns elementos. É a denominada teoria da identidade da relação jurídica. Foi o que ocorreu no presente processo, eis que o pedido de danos materiais formulado nos processos redunda em idêntica pretensão material, qual seja, a percepção de vantagens em virtude do cargo discutido alhures, razão pela qual resta caracterizada a ocorrência de coisa julgada. (STJ – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 683.277 – RJ (2015/0064386-3). Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, publicado no DJE em 20/05/2015)
No mais, conforme noticiado anteriormente, é importante destacar que a tríplice identidade ainda continua sendo o principal critério para identificação de identidade entre duas demandas, ou seja, havendo identidade dos elementos (partes, pedido e causa de pedir), as demandas são iguais. Porém, essa teoria nem sempre é suficiente para identificação da identidade entre as demandas judiciais, não sendo capaz de resolver situações que possam configurar, por exemplo, uma litispendência ou coisa julgada, sendo necessária uma análise aprofundada dos fatos, capaz de identificar se a relação jurídica discutida em demandas diversas é a mesma, ainda que haja diferença entre alguns dos elementos, visto que, com base na teoria da identidade da relação jurídica, o juiz analisa os fatos na busca da eadem res (a mesma coisa), explicitada na causa de pedir próxima.
O processualista, Cândido José Dinamarco, em seus ensinamentos sobre a teoria da tríplice identidade, apesar de reconhecer a sua real utilidade, afirma que:
[…] a chamada teoria dos três eadem (mesmas partes, mesma causa petendi, mesmo petitum) conquanto muito prestigiosa e realmente útil, não é suficiente em si mesma para delimitar com precisão o âmbito de incidência do impedimento causado pela litispendência. Considerando o objetivo do instituto (evitar o bis in idem), o que importa é evitar dois processos instaurados com o fim de produzir o mesmo resultado prático. Por isso, impõe-se a extinção do segundo processo sempre que o mesmo resultado seja postulado pelos mesmos sujeitos, ainda que em posições invertidas[1].
Como exemplo, imagine-se uma situação onde se busca indenização por danos materiais causados por mais de um possível responsável, a vítima ou quem possuir a legitimidade ativa, fundamentadas na mesma causa de pedir e tentando obter mais de uma indenização, propõe duas demandas individuais apontando no polo passivo cada um dos possíveis responsáveis pelos danos.
Nesse caso, são duas demandas judiciais com a finalidade de se obter o mesmo resultado, e como previsto pelo no art. 944 do Código Civil Brasileiro, “a indenização mede-se pela extensão do dano”, motivo pelo qual a jurisprudência já pacificou o entendimento pela impossibilidade de multiplicação da indenização, conforme seja o número de partícipes do ato ilícito que o causou, visto que todos eles são responsáveis solidários pelo ressarcimento pleno do prejuízo, tal como disciplinado pelo art. 942 também do Código Civil.
Foi esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando do enfrentamento de situação semelhante. Veja-se:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO ENTRE CAMINHÕES. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONDENAÇÃO PROFERIDA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO EM FACE DA EMPREGADORA. AÇÃO POSTERIOR NA JUSTIÇA COMUM CONTRA O MOTORISTA E A PROPRIETÁRIA DO VEÍCULO ABALROADOR. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. CARÁTER UNO. DIREITO DE REGRESSO. RELAÇÃO INTERNA DA SOLIDARIEDADE. IMPOSSIBILIDADE DE DUPLA INDENIZAÇÃO DOS MESMOS DANOS.
1. Tendo o autor da ação de indenização obtido do empregador o ressarcimento pleno dos danos materiais, morais e estéticos sofridos em decorrência do acidente, não lhe assiste o direito de obter outra indenização para compor exatamente o mesmo dano já indenizado, ressalvada a existência de outro tipo de prejuízo não incluído na indenização trabalhista e, portanto, ainda não ressarcido.
2. A indenização mede-se pela extensão do dano (Código Civil, art. 944), de forma que não cabe multiplicá-la conforme seja o número de partícipes do ato ilícito que o causou, todos eles responsáveis solidários pelo ressarcimento pleno do prejuízo (Código Civil, art. 942).
3. O dano material – pensão correspondente ao trabalho para o qual a vítima ficou inabilitada – por sua natureza vitalícia haverá de ser composto ao longo dos anos. Isso não justifica o recebimento de duas pensões mensais, mas deve ser reconhecida a solidariedade dos responsáveis em face da vítima pelo pagamento da pensão, sendo exigível o pagamento mensal em face de cada um ou de todos os obrigados. 4. Agravo provido e recurso especial parcialmente provido. (AgInt no AREsp 1505915/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16/06/2020, DJe 04/08/2020) (grifo nosso)
Ressalte-se que é dever de todos que participam do processo, comportar-se de boa-fé, sendo necessário que o Autor da ação apresente ao Poder Judiciário todos os elementos envolvendo os fatos, elencando todos os possíveis responsáveis e permitindo ao juiz fazer uma análise da existência ou não dos danos, assim como, a participação e responsabilidade de cada um dos responsáveis.
Porém, o que não se permite é a obtenção de dupla indenização pelo mesmo fato, tendo em vista que a existência de anterior ação de compensação, movida em desfavor de um responsável, inviabiliza que nova pretensão seja dirigida a outrem, conforme jurisprudência pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa transcreve-se a seguir.
Civil. Recurso especial. Pretensão de compensação por danos morais. Ações distintas e sucessivas, movidas em desfavor de réus que colaboraram para o mesmo evento danoso. Impossibilidade de dupla compensação financeira pelo mesmo fato.
– A existência de anterior ação de compensação por danos morais movida em desfavor do primeiro causador do dano, que resultou em provimento favorável, inviabiliza que nova pretensão seja dirigida a outrem, pelo mesmo fato danoso.
– Embora admissível atribuir-se, à conduta omissiva do segundo demandado, uma parte do desdobramento causal que levou ao dano, tal circunstância deveria ter sido abordada na primeira ação, seja por iniciativa do autor, ao indicar também aquele ao pólo passivo da demanda, seja pela ré, ao requerer a formação de litisconsórcio passivo entre os co-responsáveis. Recurso especial não conhecido. (REsp 756.874/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 05/12/2005, p. 327) (grifo nosso)
Observe-se que, de acordo com o STJ, mesmo na possibilidade de se atribuir, à conduta do segundo demandado, uma parte do desdobramento causal que resultou no dano, “tal circunstância deveria ter sido abordada na primeira ação, seja por iniciativa do autor, ao indicar também aquele ao pólo passivo da demanda, seja pela ré, ao requerer a formação de litisconsórcio passivo entre os co-responsáveis”.
Sendo assim, podemos concluir que a teoria de tríplice identidade, apesar de instrumento importantíssimo, sendo bastante útil ao que se propõe, nem sempre será capaz de atender a todas as situações postas em juízo, merecendo uma análise mais detalhada de todos os elementos envolvidos, razão pela qual tem ganhado força, principalmente pela doutrina, a teoria da identidade das relações jurídicas, não em substituição à teoria da tríplice identidade, mas complementando-a.
[1]DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. 4ª. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 62-63